Raymond Depardon |
Maria era uma puta nascida nos anos 50 que viveu até ao ano de 2010. Começou por ser puta nos anos 70 e não mais parou. Vida de puta não é nada fácil, fartou-se de trabalhar. Morreu de overdose de álcool, drogas e comprimidos enquanto ouvia Ramones deitada na sua cama mais que usada. Morreu ao relembrar o momento em que ainda não era puta e se sentia capaz de alcançar o mundo. Maria estava farta da vida de puta e a vida de puta já estava farta de Maria. As rugas na cara e o corpo gasto de tanto uso não perdoam a qualquer puta que se preze e não perdoaram a Maria. A clientela diminuía e a fome aumentava.
Maria ainda tentou sair da vida de puta caminhando por estradas santificadas, mas as estradas revelaram-se sinuosas e com muitos cruzamentos com outros viajantes. Nem as idas à missa a salvaram, nem mesmo as horas passadas no confessionário com o Padre Francisco. E há que realçar que o Padre Francisco, servo do Senhor Deus bastante preocupado com o seu rebanho, tudo fez para a salvar. Partilhava com ela todos os dias um lanche saboroso com pão estaladiço barrado a marmelada. Ofereceu inclusive um terço a Maria, daqueles fluorescentes que brilham no escuro para a iluminar nas noites divinas.
Deu muito jeito a Maria ter o dito terço consigo mesmo por cima das revistas pornográficas rasgadas de tanto serem tacteadas. Constituíram muitos fetiches realizados pela clientela que abandonava a porta 69 com um ar rejuvenescido. Com a Maria deixavam umas marcas vermelhas na sua pele branca que teimavam em ficar durante umas boas semanas. Eram pancadas de tanto amor. Por tal acto pagavam-lhe 22 euros e 50 cêntimos em moedas de 10. As gorjetas, essas iam directas para o mealheiro supostamente destinado a ser gasto nas suas férias ao Rio de Janeiro. Aí sim se banharia ao sol e seria uma puta feliz. Mas a puta da vida fez de Maria uma puta infeliz com muitas histórias de puta mas com poucas sobre Maria. Maria era puta e o resto ninguém sabe muito bem.
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