domingo, 24 de outubro de 2010

Maria era uma puta

Raymond Depardon

Maria era uma puta nascida nos anos 50 que viveu até ao ano de 2010. Começou por ser puta nos anos 70 e não mais parou. Vida de puta não é nada fácil, fartou-se de trabalhar. Morreu de overdose de álcool, drogas e comprimidos enquanto ouvia Ramones deitada na sua cama mais que usada. Morreu ao relembrar o momento em que ainda não era puta e se sentia capaz de alcançar o mundo. Maria estava farta da vida de puta e a vida de puta já estava farta de Maria. As rugas na cara e o corpo gasto de tanto uso não perdoam a qualquer puta que se preze e não perdoaram a Maria. A clientela diminuía e a fome aumentava.
Maria ainda tentou sair da vida de puta caminhando por estradas santificadas, mas as estradas revelaram-se sinuosas e com muitos cruzamentos com outros viajantes. Nem as idas à missa a salvaram, nem mesmo as horas passadas no confessionário com o Padre Francisco. E há que realçar que o Padre Francisco, servo do Senhor Deus bastante preocupado com o seu rebanho, tudo fez para a salvar. Partilhava com ela todos os dias um lanche saboroso com pão estaladiço barrado a marmelada. Ofereceu inclusive um terço a Maria, daqueles fluorescentes que brilham no escuro para a iluminar nas noites divinas.
Deu muito jeito a Maria ter o dito terço consigo mesmo por cima das revistas pornográficas rasgadas de tanto serem tacteadas. Constituíram muitos fetiches realizados pela clientela que abandonava a porta 69 com um ar rejuvenescido. Com a Maria deixavam umas marcas vermelhas na sua pele branca que teimavam em ficar durante umas boas semanas. Eram pancadas de tanto amor. Por tal acto pagavam-lhe 22 euros e 50 cêntimos em moedas de 10. As gorjetas, essas iam directas para o mealheiro supostamente destinado a ser gasto nas suas férias ao Rio de Janeiro. Aí sim se banharia ao sol e seria uma puta feliz. Mas a puta da vida fez de Maria uma puta infeliz com muitas histórias de puta mas com poucas sobre Maria. Maria era puta e o resto ninguém sabe muito bem.

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